Entre Grades e Calçadas: Uma Análise Comparativa da População Prisional e da População em Situação de Rua no Mundo
Por Francisco Tramujas
A relação entre marginalização social e repressão penal tem se intensificado ao longo das últimas décadas, revelando padrões preocupantes em diversas sociedades contemporâneas. Ao observarmos os números da população prisional e da população em situação de rua, torna-se evidente que há dinâmicas sociais e políticas que favorecem a exclusão em múltiplas formas. Este artigo propõe uma análise comparativa internacional, com foco nos países que lideram essas estatísticas. Será realmente que tudo anda bem fora do Brasil?
Estados Unidos: A Potência do Encarceramento
Os Estados Unidos mantêm a maior população carcerária do planeta, com cerca de 2 milhões de pessoas privadas de liberdade, conforme dados do World Prison Brief (2024). Isso representa aproximadamente 29,67% da população prisional global, ainda que o país concentre apenas 4% da população mundial. O sistema penal americano é marcado por políticas de ‘tolerância zero’, pelo uso extensivo de penas privativas de liberdade para crimes não violentos e pela forte influência da iniciativa privada na administração prisional.
Paralelamente, o país apresenta 653 mil pessoas em situação de rua (HUD, 2023) ou cerca de 19,91% da população de rua no mundo , resultado direto de desigualdades sociais, altos custos habitacionais e desarticulação das políticas públicas de saúde mental e assistência social. Essa sobreposição entre punição penal e abandono estrutural expõe a face de uma sociedade que criminaliza a pobreza e falha na prevenção da exclusão.
A desigualdade social nos Estados Unidos atinge seu maior patamar histórico: três bilionários — Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg — concentram uma riqueza equivalente à de 167 milhões de norte-americanos.
China e Índia: Dados Limitados e Realidades Distintas
A China, com cerca de 1,7 milhão de pessoas presas, segue os Estados Unidos na liderança. No entanto, a opacidade estatística e a falta de transparência institucional dificultam análises mais detalhadas. A repressão política e o controle do Estado sobre o sistema penal impedem uma leitura precisa sobre os perfis carcerários e seus vínculos com questões sociais.
Já a Índia se destaca por outro extremo: concentra a maior população em situação de rua do mundo, com estimativas variando entre 1,7 e 3 milhões de pessoas. A pobreza estrutural, aliada a processos acelerados de urbanização e fragilidade dos serviços públicos, contribui para esse quadro. Ainda que sua população carcerária seja relativamente menor (500 mil pessoas), o país enfrenta desafios sistêmicos que revelam a ausência de políticas eficazes de habitação e inclusão.
Brasil: A Interseção da Exclusão Social e Penal
O Brasil ocupa a terceira posição mundial em população carcerária, com cerca de 830 mil pessoas presas, e a quarta maior população em situação de rua entre os países analisados: 281 mil pessoas, de acordo com o IPEA (2023). O país é um retrato de como a desigualdade social e o racismo estrutural alimentam tanto o encarceramento em massa quanto o abandono urbano.
Os dados revelam um padrão de encarceramento seletivo, com predomínio de jovens, negros e moradores das periferias, além da criminalização do pequeno tráfico e da pobreza. No campo social, a precarização das políticas públicas e o desmonte da assistência social acentuaram o crescimento da população de rua nos últimos anos.
Comparações Internacionais: Um Padrão de Exclusão?
Nota-se que países com grande desigualdade socioeconômica tendem a apresentar números elevados tanto em termos de encarceramento quanto de população de rua. No entanto, os mecanismos variam: nos Estados Unidos, prevalece o encarceramento sistemático; na Índia, o abandono social em massa. Já o Brasil parece mesclar os dois modelos.
Vale a reflexão
A coexistência de elevadas populações prisionais e de rua em diversas partes do mundo não é mera coincidência, mas reflexo de modelos econômicos e políticos que priorizam o controle social em detrimento da inclusão. A análise comparativa permite perceber que o problema não é apenas jurídico ou penal, mas essencialmente social.
Investir em políticas públicas de habitação, saúde mental, reintegração social e justiça restaurativa é mais eficaz – e humano – do que manter estruturas punitivas que perpetuam ciclos de exclusão. A criminalização da pobreza é um fenômeno global, mas sua superação depende de escolhas políticas locais.
Ranking dos 10 países com maior população prisional
Posição | País | Pop. Prisional (milhões) | Pop. Total (milhões) | % Pop. Mundial | % Pop. Prisional Mundial |
1 | Estados Unidos | 2.00 | 333 | 4.14% | 29.67% |
2 | China | 1.70 | 1,412 | 17.54% | 25.22% |
3 | Brasil | 0.83 | 203 | 2.52% | 12.31% |
4 | Índia | 0.50 | 1,428 | 17.74% | 7.42% |
5 | Rússia | 0.47 | 144 | 1.79% | 6.97% |
6 | Turquia | 0.29 | 86 | 1.07% | 4.30% |
7 | Indonésia | 0.27 | 277 | 3.44% | 4.01% |
8 | Irã | 0.24 | 89 | 1.11% | 3.56% |
9 | Filipinas | 0.22 | 117 | 1.45% | 3.26% |
10 | México | 0.22 | 126 | 1.57% | 3.26% |
Ranking dos 10 países com maior população em situação de rua
Posição | País | Pop. Rua (mil) | Pop. Total (milhões) | % Pop. Mundial | % Pop. Rua Mundial |
1 | Índia | 1,700 | 1,428 | 17.74% | 51.85% |
2 | Estados Unidos | 653 | 333 | 4.14% | 19.91% |
3 | China | 300 | 1,412 | 17.54% | 9.15% |
4 | Brasil | 281 | 203 | 2.52% | 8.57% |
5 | Rússia | 90 | 144 | 1.79% | 2.74% |
6 | Indonésia | 70 | 277 | 3.44% | 2.13% |
7 | Filipinas | 60 | 117 | 1.45% | 1.83% |
8 | Turquia | 55 | 86 | 1.07% | 1.68% |
9 | Irã | 40 | 89 | 1.11% | 1.22% |
10 | México | 30 | 126 | 1.57% | 0.91% |